Segundo a APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, em Portugal, cerca de 10 mil mulheres e 600 homens sofrem maus-tratos, ameaças ou coacção infligidos pelo companheiro(a).
O episódio que vou contar foi mais um caso de violência doméstica ocorrido ao longo da minha carreira profissional.
Sábado, duas horas da manhã. Entra na triagem do Serviço de Urgência mais uma vítima politraumatizada; Dª Luísa, semiconsciente, hematoma orbital à direita, dois incisivos superiores fracturados, dor à palpação da grade costal esquerda... ainda não tinha acabado de a examinar quando entra disparado na sala de observações um sujeito baixo e muito magro. Era o marido da Dª Luísa.
- Ai “apanhou”, “apanhou”... e se fosse agora ainda tinha “apanhado” mais, diz ele, podre de bêbado, à frente de toda a gente. Chamamos o “segurança”, que o pôs de imediato, fora da sala de observações.
Após conclusão do exame objectivo e da requisição de exames auxiliares de diagnóstico dirijo-me novamente à Srª e pergunto-lhe:
- Dª Luísa, quer fazer queixa do que lhe aconteceu, que nós chamamos a GNR!? Fica com os olhos perdidos, fixos no infinito. Não responde... Quer, ou não quer fazer queixa? Insisto eu. Volta a não responder, mas vê-se pela sua expressão que não o vai fazer.
- Ai não se quer queixar? Deixe lá que vou já chamar a GNR, diz a enfermeira Ana, com ar decidido. Vai à recepção, pega no telefone e liga para o posto da GNR.
Dois agentes entram no SU, falam com o segurança e vêm ter comigo, uma vez que fui eu que atendi a Dª Luísa.
- Então Sr. Doutor, confirma que foi o marido que bateu nesta Srª? Pergunta o mais graduado.
- Sim..., ele confessou à frente de todos nós, qualquer um pode confirmar.
Todos o fizeram, sem excepção. Levaram-no então para o posto para ser interrogado.
Às 8 horas da manhã, quando saía do SU para ir para casa encontro-o no “Hall” de entrada do Hospital.
- Então! O que é que está aqui a fazer? Não tem vergonha, depois da tareia que deu à sua mulher? Ele olha para mim com ar matreiro, mostra-me o ramo de flores que tem nas mãos e diz:
- Não é para lhe fazer mal, Sr. Dr!... é só para lhe pedir “desculpas”...
Sem comentários:
Enviar um comentário