Estava eu no meu
consultório quando entrou uma senhora com aspecto cansado, parecendo não dormir
há dias. Sua necessidade era o internamento psiquiátrico do filho porque ele
não estava bem, passava o dia ao seu lado dizendo “respeitinho é bom e eu
gosto”…e ela já não suportava mais. Expliquei a senhora que não podia interná-lo
por isso, quando muito pedir uma avaliação psiquiátrica.
Mas será que
expressar os seus sentimentos, a sua maneira de pensar seria motivo para tanto?
De acordo com a Lei
da Saúde Mental, deve ser submetido a mandado de condução à urgência
psiquiátrica “o individuo que apresenta perturbações do foro psiquiátrico, com
delíros, com ameaças para si próprio e recusa ser submetido voluntariamente a
observação psiquiátrica e/ou efetuar o necessário tratamento médico, estando em
perigo, por tais razões, a sua saúde, a integridade física e familiar, o
património próprio e alheio.”
Indaguei se o rapaz
era agressivo, se fazia ameaças ou outro tipo de violência e ela disse que não
mas passava o dia todo a repetir “respeitinho é bom e eu gosto”…
Contactei o médico
assistente do rapaz que informou que o mesmo “tinha um atraso mental moderado, era
inofensivo, só muito repetitivo”. O diagnóstico estava feito, não justificava
submete-lo a tal avaliação.
A mãe informou que
o filho havia frequentado as “escolas próprias para sua doença” mas ele não
havia evoluído, tendo abandonado essas instituições.
Sugeri que desse ao
rapaz uma tarefa que o mantivesse ocupado, que o mandasse ajudar o pai no
campo, por exemplo. A senhora foi logo dizendo que o pai não o queria por perto
com toda aquela “tagarelice”.
Ela dizia: eu até
dou uns trocos para ele ir ao café mas ele só quer ficar ao pé de mim, se ao
menos ficasse calado mas está sempre a repetir “respeitinho é bom e eu gosto”…
estou a dar em doida!
Depois de longa
conversa e vendo que não era possível “internar” o rapaz, ela se retirou
dizendo para si mesma “não sei o que hei-de fazer”… “não sei o que hei-de
fazer”…
Fiquei a meditar no
desespero em que se encontrava aquela mãe a querer internar o seu filho.
Algum tempo depois
entra um casal no meu consultório, olho para a mulher e tenho a impressão que a
conheço de algum lugar, sua fisionomia não me é estranha.
Mando-os sentar e o
homem muito angustiado foi logo dizendo: doutora minha mulher não está nada
bem, precisa ser internada, passa o dia todo repetindo “respeitinho é bom e eu
gosto”, “respeitinho é bom e eu gosto”…
De repente
lembrei-me de onde conhecia a senhora e antes que mais adiante aparecesse
alguém com este senhor pedindo para interná-lo, fiz o encaminhamento da senhora
à urgência psiquiátrica.
Nota: Elaborado por Ancila Moreira, Médica de Saúde
Pública da Unidade de Saúde
Pública Barcelos/Esposende. Fotografia de Dario Silva.
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