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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Gripe A

Numa fase em que tudo parece ter sido já dito a respeito da Gripe A, vamos insistir no tema, com a expectativa de clarificar, “eliminar o ruído” de alguma informação mal interpretada e sistematizar os conhecimentos actuais sobre a doença e a sua forma de evolução.

Descoberta no México, no início do Verão passado, provocou justificado alarme pela forma de propagação extremamente rápida, por apresentar alguns quadros de evolução sintomatológica aguda, com desfecho fatal, e por ter uma incidência preferencial nos grupos mais jovens da população. Com estas características que a diferenciavam da comum gripe sazonal, os estudos a que se procedeu deram-nos a conhecer o grande responsável – vírus H1N1.

Justificava-se todo o alarme e importância que lhe foi dada? Agora é fácil falar e emitir opiniões, na altura era necessário actuar e prevenir.

Para quem estava no terreno, desde o aparecimento dos primeiros doentes confirmados, houve a percepção de que a maioria dos casos de contágio pelo H1N1, surgidos em Portugal durante o Verão, se desenrolavam com uma sintomatologia tão esbatida, que os próprios doentes e familiares se riam da ameaça da terrível gripe: “Então é isto a gripe A? Já tive constipações bem mais fortes!”

Atrás deste lado “caricato” veio a percepção, reforçada pela execução de diversos inquéritos epidemiológicos, de que muita gente teria sido já contagiada mas, dada a vulgaridade dos sintomas, não os tinham valorizado, nem por sombras tinham suspeitado do que lhes tinha batido à porta.

Estávamos nós no doce rimanço de um calor aprazível (que muito contribuiu para amansar um vírus que gosta mais do frio), quando somos despertados para o risco do H1N1: uma mulher grávida encontra-se em risco de vida.

Após este primeiro caso outros surgiram, todos em pessoas com idade inferior a 45 anos, até que, no início de Setembro é anunciada a disponibilização da vacina, em Portugal, para o fim desse mesmo mês.

Começou a desinformação! Uns pecaram por atribuir ao H1N1 a capacidade de desencadear sintomas bem mais graves do que o habitual, outros por considerarem tudo uma ficção, como se, de facto, não existissem casos graves com origem nessa, aparentemente inócua, infecção vírica. Outros procuraram influenciar a população para recusar a vacina, com o argumento de não estar suficientemente testada.

Todos parecíamos ter esquecido o essencial:


  • ninguém gosta de estar doente 

  • a facilidade de propagação deste vírus poderia originar a simultaneidade da doença em várias pessoas de uma mesma instituição/organização, levando a quebras ou mesmo a paragem de laboração

  • a capacidade para, por mecanismos não esclarecidos, provocar doenças respiratórias graves e mesmo mortais pode atingir qualquer indivíduo, mais facilmente crianças e adultos jovens

  • todos os hábitos de higiene que o Ministério da Saúde fez questão de divulgar deveriam estar de tal forma entranhados na nossa prática quotidiana, que não seria necessário insistir neles.

Parece-nos, aliás, que a principal vantagem de todo este processo pode ser, exactamente, a tomada de consciência, por grande parte da população, da importância de pequenos gestos para a prevenção de doenças.

Pois, e a vacina?

Bom a vacinação tem decorrido bem, mas com alguns sobressaltos. Em Lisboa anuncia-se a existência de grandes quantidades de vacinas, por aqui chegam quantidades exíguas face às necessidades para dar cumprimento à vacinação dos grupos prioritários, quanto mais para dar resposta à procura da população em geral.

Acabará por chegar a todos os necessitados e interessados, mais facilmente agora que a Ministra Dr.ª Ana Jorge anunciou um abrandamento do número de casos diagnosticados, inferindo daí que já teria sido ultrapassado o pico da pandemia, em Portugal.

Concordo com a Sr.ª Ministra e espero que as suas palavras contribuam para acalmar alguns ânimos, mas é imperativo que, lá mais para a Primavera, se faça uma rigorosa análise retrospectiva de como decorreu todo este processo, desde o primeiro momento, as falhas sejam denunciadas, se revejam os circuitos de comunicação, não para fazer rolar cabeças, mas para evitar que, numa hipotética situação de futura pandemia que ponha em risco a vida de muitos, haja muitos outros a perder a cabeça.

Nota: Artigo elaborado por Aristides Sousa, Médico de Saúde Pública e Coordenador da Unidade de Saúde Pública de Barcelos/Esposende e publicado a 06/01/2010 no "Jornal de Barcelos" e Jornal "A Voz do Minho"

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